O perfil dos pais pode influenciar o desenvolvimento da fala de seus filhos?

O desenvolvimento da fala é um processo complexo que envolve muitos aspectos (auditivos, neurológicos, cognitivos, sociais, emocionais, etc).
Neste artigo, pretendo escrever especificamente sobre os atrasos ambientais de linguagem, ou seja, refiro-me às crianças que estão com dificuldades para desenvolver a fala porque não estão sendo estimuladas da forma correta. Não por erro dos pais, mas porque, muitas vezes, eles não sabem como fazer isso.
Nesse sentido, cabe a pergunta: o perfil dos pais, pode interferir no desenvolvimento da fala de uma criança pequena? A forma como os pais interagem com seus pequenos pode “prejudicar” o desenvolvimento da fala? As reflexões a seguir, nos ajudarão a entender estas questões.
Na maioria dos contextos familiares, os pais trabalham (e como trabalham!) e quando chegam em casa, é difícil “ter pique” para sentar e brincar com o filho (e crianças tem muita energia, o que é normal). As mães geralmente, acumulam uma série de funções e correm contra o tempo, para conseguirem fazer tudo o que precisam. Diante deste contexto, temos pais, que se desdobram para prover o que há de melhor para os seus filhos, muitos investem em excelentes escolas, em cuidadosas babás, em muitos brinquedos, assim por diante. Mas aqui, gostaria de chamar a atenção, para um outro aspecto igualmente ou em alguns casos, até mais importante, que é: qual a qualidade da interação dos pais com seus filhos?
Os pais estão conectados a seus filhos? Por exemplo, uma criança pequena aprende que “água” é água, porque, os pais ensinaram isso a ela, nomearam, descreveram, mostraram. Quando nós nascemos, é como se no nosso cérebro nós tivéssemos algumas gavetas vazias e que nossos pais foram, gradativamente, diariamente preenchendo. A criança em processo de desenvolvimento vai gradativamente sendo inserida no “mundo das palavras”. No entanto, para isso, é ter paciência, é preciso repetir, é preciso criar um ambiente favorável para que toda essa aprendizagem possa ocorrer.
Agora, imagine um contexto, onde os pais, chegam em casa muito cansados, já não estão com muita paciência, ficam perto da criança mas não estão conectados a ela, estão pensando no trabalho, no que precisam fazer no dia seguinte, nas contas que precisam pagar, nos compromissos. Buscam a criança na escola e no caminho estão preocupados com o trânsito para chegar em casa ou estão tentando checar as redes sociais, afinal é o momento que conseguem fazer isso porque também precisam “se desligar” um pouco. Aos finais de semana, acabam acumulando os afazeres da semana e usam seus horários para isso. Nessas situações acima, como podem estimular a fala e a linguagem de seus filhos?
Como você é como pai ou como mãe? Bagunceiro? Ou mais reservado, prefere ficar mais quieto? Ou você acha que você fala demais? (um parênteses...geralmente, nós mulheres falamos demais!) Você demonstra interesse em se comunicar com seu bebê? (bebês podem não usar palavras mas eles já se comunicam desde o nascimento). Você está sempre com pressa? Passa no supermercado correndo, prepara o jantar e já está pensando no tem para fazer no dia seguinte?
Se você se identificou com o que estou escrevendo, possivelmente, a estimulação da fala e da linguagem de seu filho, pode não ser muito eficiente.
No Programa It TakesTtwo to Talk, do Instituto Hanen, do Canadá, existe uma descrição do perfil ou do papel dos pais. Às vezes, o casal (pai e mãe) possuem o mesmo perfil, ou que é mais comum, o pai é de um jeito e a mãe é de outro.
Ao todo, são 7 tipos de papéis descritos para caracterizar os pais:
Animador (Entertainer): faz muita bagunça na frente da criança, faz brincadeiras, sons, caretas, que fazem a criança rir o tempo todo. É conhecido como o “pai show”. Esse perfil de pai ou mãe, “bagunça” bastante com a criança, mas não significa que estimulam muito a fala.
“Testador” (Tester): é aquele que fica o tempo todo “testando” o conhecimento da criança. Por exemplo: “Filho o que é isso? “Filho que cor é essa?” “Filho, quantos anos você tem?”, “Filha conta até 10”.
Observador (Watcher): é aquele que fica sentado no sofá, por exemplo, apenas observando o que a criança está fazendo, como ela está brincando ou fica de longe, observando a criança na piscina ou ainda, é aquela mãe que senta na frente da criança para alimentá-la e apenas vai dando a comidinha e fica olhando ela comer, que fala pouco com a criança. Ou ainda, é aquele pai ou mãe, que senta ao lado da criança no tapete do quarto, com muitos brinquedos, no entanto, enquanto a criança brinca, eles estão checando seus e-mails no celular.
Diretor (Director): é aquele que fica “delegando” coisas à criança. “Pegue a boneca, dê leite, pegue a bola, etc..(dá muitas “ordens”). Hoje temos muitas mulheres ocupando cargos da Alta Direção e que muitas vezes, acabam transferindo para a relação com os filhos, o perfil que a função no trabalho exige. Para as mamães, eu diria: é preciso ser vigilante! Conciliar trabalho e maternidade não é fácil, mas é possível.
Movedor (Mover): é aquele que gosta de brincadeiras motoras, joga o filho pra cima, corre de um lado para o outro, se joga no chão, vira a criança de cabeça pra baixo. Neste perfil, também pode ter muita diversão, mas não necessariamente muita comunicação ou muito aprendizado linguístico.
Ajudante (Helper): é aquele que a fica o tempo todo em cima da criança e a ajuda muito. Geralmente, as mães possuem esse perfil. Cuidar e proteger é necessário, mas cuidado e proteção em excesso, pode sufocar a criança ou pode colocar a criança numa posição muito acomodada e isso atrapalha o desenvolvimento da fala. Por exemplo, algumas crianças só olham para a água e a mamãe, já corre e entrega a água (nessa pressa toda perde-se a oportunidade de ensinar a criança a “esperar”, de ensinar a palavra “água”, de falar das características da água “uhh que água gostosa!”).
Turned-in-parent (mantive o termo em inglês porque não encontrei uma boa tradução, mas vou explicar o que é): é aquele pai ou mãe, que de fato, se entrega à interação com a criança, que consegue estabelecer uma conexão com a criança. Que olha pra ela, que dá o tempo necessário para ela se expressar (seja pelo olhar, por gestos, por palavras), que interpreta suas tentativas de comunicação, que consegue observar e valoriza suas tentativas de comunicação. Este é o perfil mais apropriado e que consistentemente fornece um encorajamento, apoio e suporte necessário à interação e à aprendizagem da linguagem, da comunicação.
Para desenvolver a fala, uma criança precisa da integridade física, orgânica, intelectual, mas, aqui, ressalto a importância dos aspectos relacionados à qualidade de interação dos pais com seus pequenos. Interagir, estimular uma criança não é uma tarefa fácil. Não é simplesmente, oferecer à criança uma série de jogos ou brinquedos. É preciso aflorar a criança que existe dentro de nós. Crianças não podem ser “mini adultos”.
Pais de crianças com algum tipo de Deficiência, também, acabam tendo essa conexão prejudicada, por inúmeros motivos, que não irei destacar neste momento. Vejo pais, que acabam subestimando a capacidade de comunicação dos filhos. Algumas vezes, já ouvi, dos pais: “eu quase não falo com ele, porque ele não fala mesmo!”. Estudos científicos, já mostraram que, pais de crianças com dificuldades no processo de desenvolvimento da fala, falam menos com seus filhos.
E hoje, posso assegurar a vocês, que não apenas, pais de crianças com dificuldades, mas, muito pais, pelo ritmo corrido de vida, pelo jeito tão rígido de levar a vida, não conseguem, desenvolver a leveza necessária para interagir e estimular os filhos. Não os culpo, mas espero que esse texto seja útil para uma reflexão sobre o tema.
Observar e orientar os pais sobre a importância da interação adequada e de qualidade com os filhos, deve fazer parte do processo terapêutico. Muitos pais, me procuram angustiados, que já ouviram, que eles não estão estimulando seus filhos e aí ficam desorientados com essas abordagens. Estimular uma criança pequena não é uma tarefa fácil e não é um dispositivo que pode ser facilmente ativado nos pais. O papel do profissional é justamente mostrar esse caminho aos pais, sem culpa, sem julgamento. O profissional deve mostrar aos pais como fazer isso e não simplesmente, despejar em cima deles essa culpa.
No próximo artigo darei algumas dicas de como devemos interagir e nos conectar a uma criança. Até breve! Ah, e finalizo com uma passagem de Carlos Drummond de Adrade: "Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."
Texto elaborado por: Dra.Elisabete Giusti, Fonoaudióloga Infantil, Especializada em Desenvolvimento da Linguagem e suas Alterações. Terapeuta Certificada no Método Hanen.